quarta-feira, dezembro 17, 2008

Mestres da imagem

Sempre tive o maior respeito pelos repórteres cinematográficos. Nem o telespectador comum e, infelizmente, nem mesmo estudantes de jornalismo costumam dar o devido valor a esses caras que são os responsáveis pela captação da matéria-prima do telejornalismo.

Se há uma lição que os estudantes de jornalismo não podem deixar de aprender é a importância do trabalho de equipe, sem o qual não se transforma fato em notícia. Na televisão, essa verdade é ainda mais inabalável. E uma das mais importantes peças dessa engrenagem é o profissional da imagem e do som. O repórter cinematográfico.

Não se trata aqui de um acionador de câmeras de filmar; não se trata de "filmador" de casamentos e formaturas. Por trás daqueles créditos de imagens que se vê nas reportagens dos telejornais está o resultado da dedicação de um profissional que tem a função de registrar a história e nos mostrá-la sem maquiagem, sem truques, mas nem por isso, sem sua marca pessoal. E são muitas as habilidades que se exige de um cinegrafista.

A notícia quase nunca tem hora marcada. Ela acontece. Se o cinegrafista não chegou a tempo ou não foi hábil o suficiente, perde-se de vez. O tempo é cruel. Piscou, perdeu. Hesitou, escapou. O flagrante é único.

Não importa se é uma pauta comum, um grande espetáculo, um tiroteio, um sobe-som precioso para reforçar ou provar uma denúncia. É preciso fazer o maior esforço para captar o som com qualidade. Um grande cinegrafista é também meticuloso com o áudio. Mas quando não é de forma alguma possível o capricho na qualidade, diante das condições do flagrante, o fato é o que importa. E ele tem de ter isso em mente. A informação é tudo, basta ter conteúdo, seja naquela entrevista meio distante, mas com frases identificáveis; seja aquela imagem distorcida, trêmula, ou apenas um registro de relance.

Ser repórter cinematográfico é profissão de risco também. Eles acumulam a função de motoristas. Se envolvem em perseguições (em todos os sentidos possíveis: seguindo ambulância, carro de bombeiros, caça a assaltantes, e até sendo alvo da perseguição). Acidentes de percurso nas estradas da informação.

No meio do fogo cruzado: Troca de tiros. E a única arma é a câmera. O único escudo, o tesão pela melhor cobertura. Ameaças: mãos de advogados, políticos, acusados, suspeitos e culpados em denúncias dos mais diversos tipos. A autoridade inflada diante da autoridade imperativa do direito à informação! Um cara-a-cara que costuma definir quem tem ou não jornalismo no sangue. Enxadas, foices, facas e até revólveres em manifestações populares, invasões de terra. E lá está o bravo “câmera” exposto ao risco e ainda com a ponta afiada do dead-line roçando suas costas.

Acionar uma câmera é como ligar um lâmpada numa rua escura: haverá sempre alguém se escondendo, alguém maquiando realidade, e muitos insetos se aglomerando diante da lente. Por isso um bom repórter cinematográfico fica sempre atento não apenas ao que filma, mas ao clima e à situação em torno de si.

Cinegrafista precisa estar em forma. Tem de se embrenhar em busca de espaço nas coletivas, no registro de entrevistas flagrantes com quem não está nem um pouco a fim de falar à imprensa. O repórter cinematográfico tem se aventurar em plantações, lamaçais, rios, florestas, escaladas, cavernas, aviões, helicópteros, etc. Haja disposição e talento para resistir a tudo e ainda manter firme o enquadramento.

É não ter hora certa. É ser chamado no meio da madrugada para registrar acidentes terríveis. É ter estômago em cenas repugnantes e ousadia para encarar criminosos. É peitar tudo em nome da notícia.

Não bastasse tudo isso, cinegrafistas também são também psicólogos, companheiros e professores. Com o troca-troca de jornalistas nas emissoras, quase sempre o cinegrafista sai às ruas com um novo repórter no banco de passageiros. Não raro, um novato. Um profissional que acaba de trocar o canudo pelo microfone. Ou veio de uma emissora mais modesta para uma responsabilidade e nível de cobrança mais fortes numa grande rede. E é o carinha da câmera, o motorista do carro de reportagem, quem vai dar todo o know-how de como se comportar na externa; de tudo um pouco: como fazer perguntas, as manhas com certos entrevistados, postura nas passagens, etc. E até mesmo dicas de texto técnico de reportagem, o amassado da roupa do companheiro e do entrevistado; também ficam de olho o dead-line, no contato com a produção, na gravação do off, etc. Suportam desde xiliques de estrelinhas à falta de tesão para o trabalho por parte de um ou outro repórter. E ainda ajudam a salvar reportagens mal produzidas na redação ou mal conduzidas na externa. Não há boa reportagem sem um casamento entre repórter e cinegrafista!

Imagem não é tudo. Mas na televisão ela é fundamental. Quantos e quantos vt´s não são fechados graças a uma ou uma série de belas imagens? Acionar uma câmera não é uma mera função técnica. Como em qualquer outro ofício, quando se realiza com prazer e técnica apurada se faz mais que trabalho, se produz arte. O repórter cinematográfico fazer arte não apenas em reportagens sobre cultura, mas também em registros de fatos nada artísticos. De um acidente a um crime. De uma fila em hospital a uma passeata pelos direitos humanos. De uma insuportável entrevista com jogador de futebol à comovente lágrima de uma mãe que reencontra o filho. É preciso ter feeling! Emoção, numa perfeita simbiose entre homem e máquina.

Eu tive a sorte e o prazer de ter como colegas excelentes mestres da imagem. Dos melhores de Minas e do Brasil, como já provado em diversos trabalhos que fizeram com jornalistas conhecidos em todo o país. Cada um com seu estilo.
Alexandre Nobre e seu talento pelo factual, hard news. Dono de um humor peculiar, Xandão é rápido e objetivo, sem que isso resulte em alto estresse ou queda de qualidade. Geraldo Humberto gosta de grandes reportagens, gravações de programas em externas. Também tem sorte e coragem com flagrantes e factuais. Marcelo Pimenta é um apaixonado pelo capricho com a imagem e se preocupa muito com o resultado final do seu trabalho, ou seja, a reportagem pronta. Todos eles têm sempre muito a contribuir, e cobram um bom resultado de seus parceiros repórteres. São de uma safra de profissionais que costumam exigir mais da empresa bons equipamentos e melhores condições de trabalho do que aumento salarial. E olha que, pelo que fazem e já fizeram pela história do jornalismo regional e mineiro, o que ganham chega a ser uma ofensa.

São capazes de fechar reportagens sozinhos. Se necessário, filmam, gravam (câmera numa mão e microfone na outra), apuram todas as informações na externa e, não raro, trazem sugestão de texto a tempo do fechamento do jornal.

Esses heróis da informação nem sequer são lembrados em palestras e seminários sobre comunicação. As estrelas sempre têm de ser alguém de fora, um repórter famoso... Cinegrafistas têm muito a contar. Muito a ensinar. Muitos deles mal concluíram o segundo grau, mas como poucos são verdadeiros jornalistas!

Esta é a imagem que fica.

E fica aqui o meu agradecimento.

4 comentários:

Rick disse...

Opa, grande Rick, sempre com seus textos fabulosos. Perefeito seu texto Rick, vc diz tudo.Parabéns.

Unknown disse...

Putz, cara. Você realmente é o chefe. Não é o Ronaldo, mas é fenômeno.
Tudo o que falou é a mais pura verdade.
Quem somos nós, repórteres loucos e muitas vezes desnorteados, sem um bom repórter cinematográfico ao lado?
E os companheiros citados dão aula mesmo! Posso dizer sem medo que aprendi muito com todos!

Grande abraço.

Luiz Gonzaga Neto

Anônimo disse...

Camarada, lendo este texto, lembrei daquele bate-papo com os alunos da faculdade em Teófilo Otoni, em que contamos, além da sua presença, com nosso Gera. Como repórter por direito e paixão, endosso suas palavras. Na sucursal em Teófilo Otoni, tive uma oportunidade diferente das que geralmente sem tem na sede de emissoras. Trabalhei com um mesmo câmera durante quase dois anos. Moacir Júnior, sem o crédito desse cara no vídeo, as reportagens teriam sido incompletas. Fraterno abraço, Ricky.

Aninha disse...

Justa homenagem aos nossos colegas, realmente imagem é tudo. E como esses meninos sabem fazer isso perfeitamente, tão perfeito quanto o texto do grande Ricardo Freitas, como diria Jaime Jr., nosso eterno camisa 10. Agora, eu quero fazer jus a um outro cinegrafista, com quem trabalhei por quase cinco anos, na sucursal de Curvelo, Antônio Júnior. Ele seguiu outros rumos, mas como tinha feeling para o jornalismo. Quantas vezes ele foi a "euquipe" da sucursal, quando eu não estava por perto. Aprendi muito com ele, também. Saudade dos bons tempos ao lado de companheiros, que nos ajudaram a crescer e nos tornar profissionais mais competentes, tanto os da externa, quanto os da redação, que felizmente hoje estão melhor que muita gente.