domingo, maio 03, 2009

COLABORADOR OU CARNIÇA?

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Funcionário agora é colaborador. Essa mania é um vírus que contagia as empresas em todo o Brasil. Grandes e pequenas; excelentes e medíocres. Mas poucas são as que levam a sério o significado dessa mudança.

Colaborar é trabalhar para se chegar a um mesmo objetivo; cooperar para que as coisas funcionem bem para todos. Tanto o empregado quanto as chefias e os patrões deveriam dividir os méritos e lucros da conquista. Mas não é o que se vê. Pra ser sincero, eu tenho medo de empresa que inventa nomes, métodos e projetos que envolvam casca e não conteúdo. Tenho medo de empresa que chama trabalhador de colaborador. Eu sei bem disso, pois já vivi essa experiência.

Que colaborador que nada. Sou profissional! Não acho correto estabelecer relações trabalhistas nesse nível. Mas esses subterfúgios são armadilhas psicológicas para, supostamente, fazer com que o empregado se sinta mais valorizado e importante, e assim estimular a produtividade. O trabalhador não precisa ser adulado ou ser obrigado a participar de encontros de finais de semana com aquelas dinâmicas idiotizantes e ainda palestras! - Estas merecem um capítulo à parte. A exemplo dos livros de auto-ajuda, essas palestras só servem aos palestrantes. Pretensiosas; falsamente inovadoras; engraçadas; caça-níqueis; isca de carreiristas; e débeis!

O que faz um profissional trabalhar direitinho, cumprir suas obrigações ou ir além disso é a soma de SALÁRIO, CONDIÇÕES DE TRABALHO E FAZER O QUE GOSTA/GOSTAR DO QUE FAZ. Não existe outra fórmula. O problema é que patrão só pensa em se dar bem. Não pensa em ser COLABORADOR. Ele não - e nem faz questão de querer - que seus empregados cresçam com ele. Não quer ver o funcionário melhorar de vida. Por isso ele não quer colaboradores. O que o patrão quer é jogar nas costas do empregado o peso negativo da administração. Ao menor sinal de crise, qual é a primeira medida a ser tomada? Demissão de colaboradores. Bingo!

Quantas empresas você conhece que têm realmente um plano de cargos e salário? Na InterTV, depois de, sei lá, 12 ou 13 anos de edição de telejornais (função a que costuma limitar a editor de texto, e é bem mais complexa), recebi uma incrível promoção: editor nível 1, ou iniciante. Assim aconteceu com todos os outros funcionários, entre veteranos de guerra como eu e novatos. Uma ofensa. Pior: não sei se ainda é assim, mas as promoções nesse tipo de empresa-gafanhoto (lembram de Independence Day?) significam uns 40 ou 50 reais a mais no salário. Outra ofensa.

Participei de muitos encontros chamados de UniGlobo. Uma grande cidade ou, de preferência, um ponto turístico + um fim-de-semana + chefões da central que coordena o trabalha das emissoras afiliadas + um repórter famoso, um editor porra-louca + um bando de iludidos do "interior" = está pronta a receita. Os caras que você admira repetem bobagens durante duas horas; contam suas "incríveis" reportagens; salvo raríssimas exceções, não falam coisa com coisa. E depois vão curtir a folga enquanto os iludidos passam, das 7h da manhã às 9h da noite encarcerados num salão de convenções de um hotel permutado com a emissora local. No final de dois dias de tortura, a grande mensagem: a REDE está aberta. É! Aberta que entreguem suas denúncias, seus paraísos, seus personagens curiosos para que as equipes da REDE venham e jantem a afiliada.

Sempre foi assim. Falam, falam e nunca ouvem. Até hoje não fazem idéia do tipo de patrões e empresas que elevam ou arrasam a franquia no interior. Mas não estão mesmo interessados. A Globo sempre exigiu padrão de qualidade nos telejornais, no sinal, na programação em geral, e principalmente no intervalo comercial. Mas nunca estabeleceu para a franquia um salário-base, um limite digno de remuneração para os jornalistas, consultores de vendas, etc. Muita gente ainda entra em faculdade de jornalismo com a ilusão de que os salários de uma afiliadinha são pelo menos primos dos que são pagos a William Bonner ou Fátima Bernardes.

Talento e valor agregado merecem realmente valorização acima do comum. Mas o que se vê hoje em dia é um escândalo! Enquanto o ensino agoniza nas faculdades e a profissão é sepultada pela velha tríade religião-política-eventos, os "colaboradores" enfrentam uma rotina humilhante. Profissionais de vídeo, sempre mal remunerados - não raro sem horas extras e outros direitos - se vêem obrigados a gastar o que não têm com blasers, gravatas, maquiagem, cabeleireiros, etc. Não se trata de aparência pessoal, mas profissional. Repórteres, repórteres cinematográficos (freqüentemente ofendidos com o registro de operadores de câmera) e apresentadores não devem estar bem vestidos e com boa aparência apenas por si, mas porque são a IMAGEM da empresa de comunicação!

Visitem o site do DIEESE. Está lá: salário mínimo de 465 reais. Salário mínimo necessário: R$ 2.005,55, pelos dados de março deste ano. Agora, você, estudante de jornalismo, pergunte quanto ganha um repórter-apresentador veterano na afiliada Globo de Montes Claros. Depois procure descobrir quanto William Bonner e Paulo Henrique Amorim embolsam todo mês para chorar por seus patrões, como bons colaboradores. E, se mesmo assim decidir ser jornalista, capriche nas aulas de português e no consumo diário de notícias.

Em suma, a empresa jornalística ela não deve cumprir as leis trabalhistas como toda empresa deve fazer, mas também por que ela trabalha com cidadania e cobra de empresas, políticos, entidades e órgãos públicos o cumprimento dessas mesmas leis. Os patrões, gerentes e "chefinhos" dos meios de comunicação que não procuram levar essa mentalidade para o seu local de trabalho, para sua rotina, são duplamente "criminosos". Se a empresa é pequena e, como sempre, mal estruturada, que pelo menos a equipe trabalhe em um clima de satisfação profissional e pessoal. E como se abre caminho para esse tipo de ambiente? Basta estabelecer uma relação de respeito em que haja um clima de entendimento das dificuldades pessoais e profissionais, gerando um equilíbrio de equipe - e não de grupo. Eliminação de chicotes como xingamentos e discursos de chefia ultrapassados. Num barco furado, melhor a gente se juntar pra tapar o buraco do que berrar 24 horas por dia em busca de culpados.

Não adianta ser chamado o dia inteiro de filho da puta por um semianalfabeto detentor de órgão de comunicação, e no final do dia ir pra boteco com os colegas responder ao troglodita, como se ele fosse a garrafa de cerveja ou a bituca do cigarro. No dia seguinte, a história se repete. No final do mês, o salário não chega. O novo mês fica maduro, e a merreca só então dá as caras, já caduca.

Uma coisa é certa: Se a gente não mudar, a coisa não muda. Se a gente continuar ficando de quatro para levar bicuda na bunda - e tem gente que ainda agradece! Se a gente não age como profissional no trabalho e na cobrança, não tem patrão que respeite, não. Faça por merecer e cobre respeito, salário e condições.

É hora de deixar de COLABORAR com tudo isso. Essa colaboração não nos leva a nada.

Já me disseram uma vez que só existe urubu onde tem carniça. Vamos deixar de ser carniça!
Está na hora de ser jornalista de verdade. Jornalista de VERDADE. Está na hora de ser humano.

--- feliz mês do trabalhador ----