segunda-feira, maio 11, 2009

MÃINHA

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Já fiz poesia para amigos, painho, coisas, animais e outras tantas coisas mas, não consegui ainda fazer um poema sobre mãinha. Sempre apago logo que termino um ou dois versos.

Não se trata apenas do fato de que não há papel nem palavras que sirvam para definir a impressionante e inesgotável fonte de bondade, gentileza e inteligência que ainda brota todo dia daqueles olhos tão vividos. É algo muito além disso.
Mãinha perdeu o marido três meses depois de dar à luz seu décimo filho. Sim, eu não conheci painho. Somos de Jacaraci, sul da Bahia. Ela trouxe todas as crias para Montes Claros. Medo de que os mais velhos vingassem o assassinato do pai. Uma nobre. Educadíssima. Minha mãe é assim.

Passava dia e noite pedalando uma máquina de costura – pedal mesmo nas velhas Singer – para não deixar faltar água, comida, roupa limpa e escola para todos. E nunca faltou. Da parte dela, nada faltou. Se o assunto é mãinha, a palavra ausência não tem tradução no dicionário da nossa família. Ela nunca deixou de estar, muito menos de SER mãe.

Sempre forte e nobre. Os filhos nem tanto. Sempre demos muito trabalho a Dona Lia. Éramos todos moleques, no bom sentido da palavra. Mas nunca nenhum de nós se envolveu com coisas ilícitas. Os mais velhos transportavam carvão para ajudar nas despesas. Alguns se casaram, outros se mudaram... E a vida foi nos afastando da convivência diária com a nossa mãe.

Ela perdoa nossas falhas. Rainha da misericórdia! Mas o tempo, não. Perdemos um dos nossos queridos irmãos e, no velório, não me esqueço do momento em que alguém pediu para que ela não chorasse tanto, pois “um morreu, mas a Senhora ainda tem nove”. Mãinha então respondeu com os olhos brilhantes: ”mas desfez minha cirandinha”.

Completou 84 anos neste primeiro de maio. Ainda lúcida e exercendo seu papel de matriarca, mas com incomparável amabilidade. Uma psicóloga autodidata. Ela é toda uma obra-prima com o que há de melhor e mais puro na humanidade. E ainda borda, faz crochê e tricô; é quem prepara o melhor biscoito, o mais saboroso frango e os melhores doces que já provei. De manga verde, de leite, e do meu preferido: de mamão.

Quando eu disse a ela que fui demitido da empresa à qual eu dediquei quase metade da minha vida (tempo e empenho) por não concordar nem participar de procedimentos que ferem a ética profissional e os meus princípios, ela escondeu a preocupação com a questão financeira, e abriu um sorriso reto; disse "sim" com a cabeça, apertou os olhos e me abraçou. Ela sempre diz: "meu filho, a única coisa que pobre tem é o nome". Nome limpo, ela quis dizer. Honra.

Os princípios... Mãinha nunca nos obrigou a decorar os dez mandamentos. Ela nos ensinou muito mais que dez com seus exemplos. Nunca nos impôs presença em cultos e rituais religiosos. Sábia, nos ensinou com seu silêncio respeitoso que para ser honesto e fazer o bem não é preciso pagar as contas de padres nem de pastores. Mas cultivou em todos nós a tolerância. Ela, católica devota de Nossa Senhora Aparecida, ama os filhos: tem evangélico, ateu, espírita e até católicos. A religião à qual Mãinha nos batizou chama-se tolerância!

Minha mãe é uma árvore que estende seus galhos para o pouso seguro das aves, para as garras afiadas de outros tantos bichos... Fornece alimento com fartura. Folhas, sementes, casca, seiva, frutos e até as raízes se preciso for. Nos cobre de sombra sem nos tirar a luz.

Sempre preocupada com todos, cobra dos filhos mais ajuizados que nunca abandonem os demais. Ela sabe, nunca abandonaremos. Nós, os filhos, somos de pouca expressão de afeto e palavras, e apesar das desavenças somos todos pedaços de uma mesma brevidade. Daquelas que só mãinha sabe fazer.

A gente deve muito a ela. A gente deve tudo a ela. Mas é assim mesmo. Ela nos passou um bem que não tem preço, e não há como retribuir à altura. Vamos tentar nos esforçar mais, com certeza.

Agora eu percebo por que não consigo descrever Mãinha num poema. Ela sabe que sou ateu, mas nela eu acredito. Nela eu tenho fé. Se há alguma comparação que eu possa fazer a essa mulher que me dá vida até hoje é com o deus dos que traduzem a divindade como sinônimo do bem. De um bem maior. Falam tanto de deus em sua ausência. Talvez, quando eu não puder mais ver mãinha, eu consiga escrever mil bíblias para que todos tentem entender e acreditar que é possível todo o bem e todo o amor habitarem um só ser vivo.
Maria Alves de Freitas, te amo além dos limites da eternidade.
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2 comentários:

Dafne disse...

Ricky, que texto lindo!!!! Que "mãinha" maravilhosa. Não sei se ela já leu ou ouviu, estas suas belíssimas palavras. Se ainda não, sugiro, que faça chegar até ela. Que mãe, não ia amar, ter um filho como você, e o mais que merecido reconhecimento. Eu como mãe, penso... Meu Deus, preciso ler mais vezes esse texto, ver se aprendo a ser mais MÃE. Eu sei que sou AMOR pra minhas filhas. Mas, talvez me falte um pouco disso... dessa coisa que não tem palavras e só quem vive sabe expressar.
Que bonito, Ricky!!!! E tem poesia mais bela, que o amor entre mãe e filho? Beijos no coração,
Dafne

Ana Medeiros disse...

E quem ficou sem palavras pra comentar a beleza dessa demonstração de AMOR, DEVOÇÃO e GRATIDÃO, fui eu. E não me restou outra coisa senão, as lágrimas. Saudade da minha eterna flor.

Beijos ao meu grande mestre.