quarta-feira, janeiro 28, 2009

O verbo sem princípios - ortografia e informação

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Pensei em esbravejar contra a reforma ortográfica. Mas que nada. Pra quê? De que adianta ser contra, se uma turma de manda-chuvas da língua já decidiu executar o trema, ferir o hifen e criar um apartheid entre acentos?! De que adianta ser contra ou a favor, quando a gramática é simplesmente esquartejada em "textos" inventados por homens-bomba do ensino fundamental ao superior?

Eu devo ser um extraterrestre. Não escrevo bem. Tenho apenas um texto funcional diante das exigências da minha profissão, o jornalismo. Mas tenho minhas teorias sobre a nossa língua. Um bom exemplo é que não concordo em hipótese alguma com a escrita e a pronúncia da palavra "recorde", como insiste a maioria dos gramáticos e uma parte jurássica da imprensa brasileira. Se a palavra original "record" vem do inglês se diz "récord", porque então abrasileirar mudando a sílaba tônica? É óbvio e lógico que a forma correta deveria ser "récorde", assim proparoxítona e com o devido acento, como manda a forma original.

Sou contra o sepultamento do trema. Será que a criança é obrigada a saber, sem um sinal indicativo, que o U deve ou não ser flexionado ao pronunciar palavras como "lingüística" e "aqüífero"? E a velha mania dos exibicionistas - não raros socialites - em usar a inexistente palavra "qüestão"? Se já falavam de forma errada sem a palavra ter trema, podem agora ensinar aos filhos e aos futuros colunistas sociais que o assunto virou "qüestão" fechada. Haja paciência! Mas é inegável que muitos dos leitores das colunas desses promotores de festas passarão a ter menos motivos para se horrorizar. Alguns acentos, que eles sequer sabiam que existiam, caíram de vez! Agora é só aguardar a próxima reforma: a que vai exterminar a concordância verbal. "Eles vai comemorar dimais."

Não sou radical quanto a mudanças na língua portuguesa. Sou defensor e admirador da imensurável riqueza cultural que a falta de competência dos nossos governantes acabou gerando por todo o país. O brasileiro sabe aceitar seus dialetos porque ri da sua própria ignorância. É bonito e emocionante ver o jeito de falar do homem do campo; a forma como ele conta casos, inventa e reinventa palavras. Mas é triste quando se pensa que tudo isso é resultado, como quase tudo nesse país, da roubalheira dos maus políticos. Dinheiro que era para dar saúde e educação ao povo da roça foi e é até hoje aplicado em mansões, carrões, aviões, mulherões, e outros "ões" que jamais vão parar nas prisões.

Daí a gente pensa: para que então essas regras e essas mudanças nas regras? O que muda para Seu Adão que planta chuchu na Lagoinha? Ele mal sabe escrever o nome. O que muda para muitos dos nossos advogados e políticos, cuja maioria não sabe ler e por isso mal consegue se expressar? Como explicar isso para muitos dos recém-formados nas mais diversas áreas profissionais e, tristemente em cursos como Jornalismo, Direito, Medicina e até Letras! Sim, tem professores de português que decoraram o que é anacoluto, mas mal sabem interpretar uma notícia de jornal.

Que diferença faz para o leitor/telespectador que é testemunha de tantos erros diários na nossa imprensa? A começar pelos nomes dos nossos órgãos de comunicação, e passando por eslogans que assombram até as correntes arrastadas pelo já combalido esqueleto do nosso ofício. A Gazeta norte-mineira sem hifen. O Jornal é de notícias (como no original de Portugal)! O Norte estampa que escreve o que o leitor gostaria de dizer. Bom, não é bem assim que deveria funcionar a imprensa. Até a Academia Montes-clarense de Letras engole o hifen! Assim não dá.

Se formos buscar a origem do problema vamos parar na frase que abre a primeira página da criação, como diriam os crentes: no princípio era o verbo. E era mesmo o verbo. Ponto. A culpa é do verbo. A culpa é dos portugueses. A culpa pode ser até do Ruivo Hering! Mas e então? Nós, da imprensa, vamos escrever mal até quando? Até quando acreditarem que é porque somos mal pagos? Que o motivo é que atrasaram nosso pagamento? Erramos tanto e nem percebemos o tamanho e a gravidade do uso indiscriminado e desconexo das palavras por culpa da própria ignorância dos nossos patrões que não sabem o que seja FATO, INFORMAÇÃO e NOTÍCIA? A responsabilidade será então dos nossos professores de português? Então, não somos nós os culpados por escarrar na língua portuguesa a cada frase que vomitamos naquele papel branco, que exige quantidade sem tempo, sem grana, sem revisão, sem discussão, sem questionamento, sem EDIÇÃO?!

Como explicar a um jornalista iniciante, recém-formado ou àqueles veteranos cheios de vícios inerentes ao meio o que seria o tratamento da informação, por meio de uso de palavras que dêem o peso adequado à notícia, quando mal sabem o básico? Vivem trocando "ss" por "ç" ou "a" por "há"? Ou quando erram de forma espantosa a concordância com o plural? Como então explicar que não basta ser ético no caráter quando não se tem o domínio básico da língua portuguesa para expressar esse cuidado ético?

Meus amigos, não se trata aqui de bancar o sabichão. Estou apenas demonstrando, a cada artigo, que nós jornalistas somos sim co-responsáveis pelo atraso econômico, social e político que transforma a nossa amada Montes Claros numa das mais feias e desinteressantes cidades de porte médio do país. Que cidade da arte e da cultura que nada. Basta ver a cada Festa de Agosto ou do Pequi, o amadorismo, a falta de recursos e o descaso com as pessoas humildes que mantêm vivas as tradições do folclore regional, e que se vêem forçadas a desfilar com roupas, calçados e enfeites improvisados. Uma cidade sem teatro. Uma cidade que não valoriza o salão nacional de poesias Psiu Poético. Uma cidade sem festivais de música. Sem praças bem cuidadas. Tudo isso é nossa culpa sim! Em vez de babar ovo ou perseguir políticos, deveríamos estar ocupados em dar informação à população para que ela tenha ferramentas para lutar por seus direitos. Lutar por cidadania.

Em vez de dar força à formação do cidadão, estimulamos a bajulação de autoridades. As colunas cuidam mais de afagos a parentes e amigos do que a informação. Um lugar onde a imprensa é apagada é um lugar estagnado. Uma cidade onde a imprensa é negligente e avessa à notícia e ao profissionalismo no trato da informação é uma cidade condenada ao retrocesso. Então, diante desse mal maior que é o domínio da imprensa por políticos e profissionais que mal sabem o que é informação, ética e cidadania, de que adianta debater a queda de acentos e tremas?

Ainda há tempo para mudança e evolução. Se no princípio era o verbo, que tal usarmos o verbo para expressar e preservar nossos princípios?

5 comentários:

Anônimo disse...

Você se esqueceu, Ricky, de mencionar o gerundismo, tão comum entre "falantes" e até "escreventes" de todas as classes, de todos os níveis. Os exemplos (maus exemplos)estão diariamente na tv, na sala de aula, no rádio. Talvez ainda dê tempo de incluir um anexo ao novo código que trate do gerundismo. É a era da falta de compromisso, do "vou estar enviando", "vamos estar pagando", "vou estar valorizando", "vamos estar resgatando a cultura"... mas na verdade, não se faz nada.
Sabe o que paralisa as pessoas? É justamente a insegurança, a falta de orientação e de preparo dos profissionais que, conscientes de sua incompetência ou de suas graves deficiências, acabam aceitando qualquer coisa, qualquer preço. O maior tesouro que um profissional pode ter é o seu conhecimento, é a sua capacidade criativa de encontrar soluções para problemas diferentes, é saber se virar, se comunicar, ter dúvidas e assim aprender mais. é pensar por si só e ter argumentos que fundamentem sua opinião.
Só assim é possível ser livre. Mas essa liberdade tem um preço. Quando você tem convicções e as publica, tem que arcar com as represálias, com as conseqüências (ainda com trema). Se posicionar é se expor e requer peito e fôlego para manter seus princípios e argumentos sem se contradizer, sem se vender.
Você é um exemplo de pessoa livre. Como diz o meu pai: "livre pensar é só pensar!.
bjs.

Anônimo disse...

Eu apertei o botão errado - não sou nenhuma anônima, quem fez esse comentário aí fui eu, Ana Gabriela Gonçalves Ribeiro ou, simplesmente, Gabi.

Rafael FM disse...

E aí tio...
Muito bacana esse post sobre a gramática...

Queria ver um POST sobre os blogs de montes claros... Pois, aqui na web não existem filtros para as verdades e nem para as mentiras.

Anônimo disse...

Mestre, se você está aterrorizado com a realidade de Montes Claros, precisa conhecer Campos.

Isso aqui parece outro planeta. Uma das maiores arrecadações do país (ano passado foram 1,5 bilhões de reais entre impostos e royalties do petróleo) e com problemas parecidos ou até piores que os daí.

Uma cidade suja, de gente mal educada, sem lei. Motos sem placa, carros estacionados nas calçadas impedido a passagem dos pedestres, policiais fardados saindo de boates com bebidas alcoolicas na mão.

E para piorar, onde não se fala claro, e sim "craro". Onde até autoridades fala "pobrema" nas entrevistas.

Quanto a reforma ortográfica, vamos demorar a nos acostumar a certas mudanças.

Grande abraço.

ton disse...

Belos e precisos argumentos, tanto do post como dos comentários. Opino dizer que o problema é muito maior do que parece, nossa sociedade, taxada como ignorante e desonesta pena por encontrar uma referência na voz de um renovado ser. Não falo de um Messias, um cristo, ou qualquer personagem da história épico por sua riqueza, poder e conquistas. Falo de uma pessoa comum, honesta, inteligente, preparado, bilionário, respeitado, experiente, decidido e com um único objetivo, mudar a cara do Brasil no que se refere ao oportunismo, compromisso, educação, transparência política, consciência ambiental, progresso pátrio e ainda que raro possa ser, restabelecer cada família dentro deste contexto, com a dignidade mínima que toda família necessita.